segunda-feira, 5 de abril de 2010

A Coimbra

Escrevo-te porque parto.
Largo, agora, as amarras do teu porto de sonhos
e seguirei à deriva em busca de mim.

Conheci-te, pequeno e pueril
tinha, ainda, os olhos ternos e pouco experimentados
que juraste querer para ti.
A mim parecias-me uma elegia de Outono,
triste e bela, iluminavas-me de desejo e de melancolia
com a ternura dos candeeiros de teus olhos pardos.
Já não eras nova, mas em jovem teus seios seriam cheios,
as pernas morenas e robustas, soberbos os cabelos
A mim, impressionavas-me; era certo que nunca gostei das jovens,
superfíciais e orgulhosas, disfarçando com a firmeza do corpo,
com os arranha-céus dos peitos e as estonteantes rotundas,
a falta de aptidão para a conversa e para o resto,
todavia parecias tão diversa, como que tocada pelo pecado,
por algum deus, desses que não lembra ao diabo,
por um velho feitiço ou ancestral sabedoria.
Se de carnes mais rica, não te furtavas de as afirmar,
o vestido curto e gasto descobria as pernas cruzadas,
sempre segura, invariavelmente obscena.

Lembro o dia em que me deixaste subir ao teu quarto,
prometias café mas encheste de vinho a minha taça.
Mais tarde, estendeste-me na tua cama
e despiste-me com juras de amor eterno.
Eu, escondi-me no teu ventre, entre as coxas fartas
que me exibias, gloriosa e ardente -
entre a metade de um sorriso e as faces rubras.
Afirmavas insustentável o desejo, lança espetada
nas carnes tenras com a ternura do aço.

E assim, vivemos felizes na doce altercação dos amantes,
trocando de corpo e de espaço, juntos na violência de um abraço.
Contei-te de todas as outras mulheres,
das noites carnais de Veneza, da luxúria de Paris,
e tu, digna e altiva, fingiste não te importar,
mas, por desdita, insististe em enumerar
todos os homens que antes de mim te tiveram:
poetas, músicos, artistas, homens inteligentes e doutores,
alguns estudantes, uns quantos boémios e alguns imbecis.
Nessa altura senti-me diminuto perante tais
e tantos, nomes maiúsculos, outros nem tanto,
mas rápido disseste que a hora era minha
e, com ela, a tua alma, o teu corpo.

Os meses fizeram anos, os anos a inquietação,
desejaste outros homens e eu outras mulheres,
belas e tantas, como jurar que não.

A cabra da torre soa como uma lembrança,
deixo-te hoje, não sem pesar nem remorços,
contudo, bem sabes que não mais te escrevo ou ligo,
é demais cruel, não consigo.
O regresso te prometo, encoberto é certo, digo escondido,
revisitarei os nossos velhos recantos
e tentarei vislumbrar-te ao longe, sem que tu a mim me vejas,
e saber de ti, ver-te distraída, cultivando novos sonhos, rindo noutros braços.

Sabes,
queria tanto roubar-te a capa dos olhos para chorarmos juntos,
mas não cederei a tal atrevimento, prender-me-ias mais e mais forte,
e tanto me doeria mais a partida, contigo humilhada e eu fugindo.
Não, não me esfregues agora com o aroma do teu sexo,
que queria agora frio e seco, estéril, sem mondegos nem poesia.
Vem, um beijo só, que afague o peito e nos inunde a boca de lágrimas.

Vou.
Deixo-te a custódia das minhas ilusões,
que prometeste enviar fim-de-semana sim fim-de-semana não,
mas a quem darei tudo o que desejarem para que, a ti, me prefiram.

Coimbra, adeus, o corpo e o resto serão sempre teus.

segunda-feira, 30 de março de 2009

.memórias de minutos

Agora, quando o crepúsculo, urrando,
vem com o lamento melancólico
da tarde ennoitecida; férreas,
as memórias avançam, trazendo, de novo,
a malvasia dos pássaros nos lábios húmidos.

Na cama, azul, sinais de luta,
contornos de corpos nos vincos,
esgrimindo argumentos na procura
da sinfonia, da música, da melodia;
ou nocturnos, claves de sol destilam.

E como se ganharam no tempo escasso,
que de dourado, se não quis perder!
Mas sós, escondidas nas dobras,
nas cores despidas, as roupas enlaçadas.
Havia (n)um peito...

I.

Havia num peito, deserto árido,
a triste saudade de um canto,
de clamores, do vôo circular de gaivotas,
de alvas velas, das proas de barcos sem leme,
que, mais que loucos, são náufragos delirantes
esbracejando vírgulas no poema.

Terra à vista, ainda há vista? -
perguntam. O vento, em vão, responde,
onde...
onde...
onde...
E nem ao largo, nem no céu, se avista
a oliveira,
a pena alada,
a terra prometida...

II.

Havia num peito, sereno e brando,
a brandura de acabar, sereno.
Mas desdenhando,
redesenhando,
surprendeendo,
vieste!...
Vieste, e trazias o cheiro doce
da terra molhada. Fértil, insuflavas,
ao ouvido, o prazer com beijos gotejantes.

Eu, pintava os dedos nos teus olhos,
sempre chuvosos, precipitados, e
com eles, marcava muros de lembranças,
nas mãos sulcadas, ramos de violetas.

III.

Havia um peito, que ufano dizia,
quase nada. Dizia, quase nada...
no tudo, certo, de te querer.
No rádio Machín cantava,
Mira que eres linda,
rumor das verdades caladas,
que há tanto tempo te disse.

Com a noite, o tacto te lobrigava,
nos lábios um arado dos dedos revolventes,
nas pernas a espuma, volúpia de ondas,
o aroma do pinho, a hortelã das formas amplas,
latifúndios de olhos cegos,
que prescutavam as trevas, e iam
percutindo nos ossos fundos,
maciços de colunas que, ruborizadas,
tremiam ao toque como rosas ao vento.

IV.

Havia um peito e um alfarrabista
na Rua do Ouro, ou no Arco d'Almedina?
Entre anéis de fumo vendia,
ainda, os livros que ninguém lê,
contos das crianças desta cidade,
de olhos alcatroados e barrigas de fome,
mas seguros, proletários de sonhos,
bastiões de esperança, aguerridos.
Esbarravam, empurravam-nos pelo caminho
com a fúria da História, que golpeando, avança.

E havia um povo de peixes pescados,
frescos e sôfregos, mordendo o ar,
sangue nas guelras, na terrena prisão
com o mar tão perto...
_Olha aquele ainda salta!
_Vermelhos, freguesa, leve os vermelhos!
Não percebi.
Na multidão alguém grita...
Surdo, o ponteiro segue, a multidão caminha,

nem uma folha se agita...

domingo, 9 de março de 2008

Obrigada pelo sorriso largo de cada manhã, onde os teus lábios rasgam a noite para anunciar a alvorada e as tuas pálpebras se espraiam sobre o mar dos teus olhos como ondas na areia, salpicos de um luar de prata que se escapa volátil ao nascer do sol, estilhaços de cinza na vertigem de um cigarro cremado com o fogo de duas línguas.

Obrigada pelo abraço morno que nos enlaça, chuva de beijos na espuma do banho deslizando como orvalho no Inverno das folhas, gotas de palavras que, como cordas, ancoram a voz ao peito e humedecem a saliva que em silêncio se desfaz.

Obrigada pela cadência dos dias tornados horas, segundos ciclónicos, rajadas de tempo que se esgotam na volúpia de corpos salgados, que de presos se perdem na liberdade da lava e se esvaem, evaporam, para enfim adormecerem vestidos de igual pele, longe do olhar indigente da solidão.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008


Quando no ébano dos teus olhos
adormecidos, como lustres de cristal, cadentes
as estrelas do teu olhar desfilam,
trilhando letras húmidas,
versos de chuva na poesia do rosto.

E, batendo vorazes,
asas de um colibri inquieto,
fogem da luz,

amanhecem...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Ausências
















Não tenho ciúme dos livros,
velhos e gastos,
que sempre seguram a tua mão

Entre o asfalto
ocre
das folhas
carpe o silêncio
da chuva dos dedos,
orla
de punhos cerrados

Sorvo o aroma
das páginas
a terra
a árvore
o cicio distante
o olor, o pó
agora tão só
por não te tocar.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

palavras liquidas


A chuva já se pôs sob a colina
Vês, amor, nem tudo no meu peito
é água, mágoa...
Sabes,
acho que sempre estivemos perto -
como separados? -
foi a mesma hera que nos prendeu os pés
no tempo demorado da timidez
de enlaçarmos, de vez, os dedos.

Sei que tinha coisas tão bonitas
para te mostrar, sei.
Mas quando revolvo os bolsos,
Amor...

Sabes como a primeira visão do mar atordoa?
tão infinito, maré cheia maré vaza, tão nós.

Sempre foste o meu mar, amor
e eu rio entrecortando campos para te encontrar;
Como rio que sou, beberam de mim, regaram comigo,
usaram a minha força pra deslocar moinhos,
retiveram-me em barragens, fizeram de mim lagos,
como rio, como rio de pensar que me tentaram condicionar,
amor, mar,
mas ninguém prende um rio quando sente a foz,
o desejo terrível de desaguar, de se encontrar...

Minha foz, meu mar, meu amor.