segunda-feira, 30 de março de 2009

.memórias de minutos

Agora, quando o crepúsculo, urrando,
vem com o lamento melancólico
da tarde ennoitecida; férreas,
as memórias avançam, trazendo, de novo,
a malvasia dos pássaros nos lábios húmidos.

Na cama, azul, sinais de luta,
contornos de corpos nos vincos,
esgrimindo argumentos na procura
da sinfonia, da música, da melodia;
ou nocturnos, claves de sol destilam.

E como se ganharam no tempo escasso,
que de dourado, se não quis perder!
Mas sós, escondidas nas dobras,
nas cores despidas, as roupas enlaçadas.
Havia (n)um peito...

I.

Havia num peito, deserto árido,
a triste saudade de um canto,
de clamores, do vôo circular de gaivotas,
de alvas velas, das proas de barcos sem leme,
que, mais que loucos, são náufragos delirantes
esbracejando vírgulas no poema.

Terra à vista, ainda há vista? -
perguntam. O vento, em vão, responde,
onde...
onde...
onde...
E nem ao largo, nem no céu, se avista
a oliveira,
a pena alada,
a terra prometida...

II.

Havia num peito, sereno e brando,
a brandura de acabar, sereno.
Mas desdenhando,
redesenhando,
surprendeendo,
vieste!...
Vieste, e trazias o cheiro doce
da terra molhada. Fértil, insuflavas,
ao ouvido, o prazer com beijos gotejantes.

Eu, pintava os dedos nos teus olhos,
sempre chuvosos, precipitados, e
com eles, marcava muros de lembranças,
nas mãos sulcadas, ramos de violetas.

III.

Havia um peito, que ufano dizia,
quase nada. Dizia, quase nada...
no tudo, certo, de te querer.
No rádio Machín cantava,
Mira que eres linda,
rumor das verdades caladas,
que há tanto tempo te disse.

Com a noite, o tacto te lobrigava,
nos lábios um arado dos dedos revolventes,
nas pernas a espuma, volúpia de ondas,
o aroma do pinho, a hortelã das formas amplas,
latifúndios de olhos cegos,
que prescutavam as trevas, e iam
percutindo nos ossos fundos,
maciços de colunas que, ruborizadas,
tremiam ao toque como rosas ao vento.

IV.

Havia um peito e um alfarrabista
na Rua do Ouro, ou no Arco d'Almedina?
Entre anéis de fumo vendia,
ainda, os livros que ninguém lê,
contos das crianças desta cidade,
de olhos alcatroados e barrigas de fome,
mas seguros, proletários de sonhos,
bastiões de esperança, aguerridos.
Esbarravam, empurravam-nos pelo caminho
com a fúria da História, que golpeando, avança.

E havia um povo de peixes pescados,
frescos e sôfregos, mordendo o ar,
sangue nas guelras, na terrena prisão
com o mar tão perto...
_Olha aquele ainda salta!
_Vermelhos, freguesa, leve os vermelhos!
Não percebi.
Na multidão alguém grita...
Surdo, o ponteiro segue, a multidão caminha,

nem uma folha se agita...